Biosfera em Conversa: André Espínola, Reserva da Biosfera da Ilha Graciosa
O que é, para si, uma Reserva da Biosfera?
As Reservas da Biosfera, classificadas ao abrigo do programa de conservação e gestão do património natural, o programa Homem e Biosfera, estabelecido pela UNESCO em 1971, são reconhecidas com base em parâmetros científicos que, além do objetivo da proteção do património natural e cultural, pretendem promover o usufruto e o desenvolvimento de modelos de gestão sustentável, que reúnam os autores governamentais e as sociedades locais.
Acima de tudo, os territórios classificados como Reservas da Biosfera lutam incessantemente pela harmonização entre o meio natural e aquelas que são as forças vivas.
Qual é o seu local preferido nesta Reserva da Biosfera e porquê?
Ilhéu da Praia. Lugar onde se encontra a perfeita harmonia entre o homem e a natureza. Espaço privilegiado de passagem e nidificação de aves marinhas e um importante laboratório de estudo, no qual não posso deixar de realçar o Painho-de-Monteiro (Hydrobates monteiroi) como endemismo. Acresce, aves marinhas como o Cagarro (Calonectris diomedea borealis), o Garajau-rosado (Sterna dougallii), o Garajau-comum (Sterna hirundo), o Frulho (Puffinus baroli baroli) e o Paínho-da-Madeira (Oceanodroma castro) também engrandecem. Neste lugar, podemos, também, observar flora nativa dos Açores, como a Azorina (Azorina Vidalii), o Bracel-da-rocha (Festuca petraea), Spergularia azorica e Salsa-burra (Daucus carota ssp. azoricus).
Nesta Zona de Proteção Especial continua-se a sentir a presença humana, seja pela casa de apoio ao ilhéu, ou pela visita dos mais curiosos, que se aventuram numa curta viagem de barco, até aquele pequeno porto de acesso. Importa referir que, as visitas turísticas ao Ilhéu da Praia carecem de autorização do Serviço de Ambiente e Alterações Climáticas da Ilha Graciosa, sendo sempre acompanhadas pelos Vigilantes da Natureza afetos ao referido serviço.
Quais as mais-valias e os maiores desafios de trabalhar na gestão destes territórios?
A grande mais valia é o sentimento de estar a fazer algo em prol do local que me viu nascer. Relativamente aos desafios, acima de tudo levar esta classificação ao cidadão comum, motivar as entidades e população a envolver-se na dinâmica e consolidação da ilha Graciosa como Reserva da Biosfera da UNESCO e divulgar aquela que é a dinâmica das tradições e culturas que imperam nesta pequena ilha no seio do Atlântico Norte.
Considera que a população residente e visitantes podem ter um papel no trabalho de conservação e sustentabilidade que levam a cabo? Como?
Claramente. A consolidação de um determinado local como Reserva da Biosfera depende de todos e, acima de tudo, é um trabalho diário, em que todos devem ser responsabilizados a adotarem boas práticas, conduzido assim ao almejado desenvolvimento sustentável. Neste seguimento, é fundamental que a população desenvolva um sentimento de pertença.
Por fim, gostaríamos que partilhasse connosco os projetos e iniciativas, em marcha e de futuro, na sua Reserva da Biosfera. E como os poderemos acompanhar, estejamos por perto ou à distância.
Neste momento, é fundamental continuar a implementar o Plano de Ação da Reserva da Biosfera da Ilha Graciosa. Este contem um conjunto de 170 ações, das quais sensivelmente metade, 78 mais concretamente, já foram iniciadas e estão em execução
A consolidação do projeto Graciólica, que apresenta uma taxa de penetração de energias renováveis, próxima dos 65%, permitindo, inclusive o funcionamento da rede elétrica da ilha 100% a partir de energias renováveis durante parte do ano, é fundamental e representando um excelente exemplo de boas práticas para contextos insulares em todo o mundo. Por exemplo, em 2021, o sistema elétrico da ilha funcionou 100% a partir de energias renováveis durante 144 dias, o que permitiu poupar cerca de 20 milhões de litros de combustível fóssil e uma redução de quase 6 mil toneladas de CO2 emitidas para a atmosfera (Fonte: Graciólica). Atendendo a estes elevados valores de penetração de energias renováveis, no âmbito do Projeto Life IP Climaz, está em curso uma campanha que permitirá disponibilizar gratuitamente às famílias da Graciosa cerca de 1500 termoacumuladores elétricos, no intuito de promover a substituição de equipamentos de aquecimento de água à base de butano, num investimento de cerca de 680.000€, que será uma mais valia na redução também na dependência externa.
No último ano as Reservas da Biosfera têm contado com o importante apoio e contributo do Projeto Nacional: “Reservas da Biosfera: Territórios sustentáveis, comunidades resilientes’’. No âmbito deste projeto têm sido dinamizadas diversas ações que apoiam as Reservas da Biosfera portuguesas na execução dos seus Planos de Ação. Entre estas ações estão os Festivais das Reservas da Biosfera, que convidam as comunidades a celebrar os valores naturais e culturais inerentes ao seu território.
Assiste-se também ao aumento do número de hectares de vinha e pomares, apoiados pela Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas. Processo fundamental para preservar a cultura da vinha, que desde sempre se constitui como parte importante da economia graciosense.
Por último, ressalvar que a Marca “Biosfera Açores” conta com 22 associados na Reserva da Biosfera da Ilha Graciosa.